quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Assaltos não aconteciam na Rocinha com tráfico, dizem moradores

População reclama do aumento de roubos e brigas na comunidade, após fim da ‘Lei do crime’. ‘Está chegando ao ponto em que não pode mais deixar a casa só’

 A ocupação da Rocinha pela polícia, em novembro, está tendo como “efeitos colaterais” uma percepção da população de um surto de assaltos a estabelecimentos, furtos, brigas e até estupro, crimes que antes não aconteciam na comunidade por conta da “lei” informal do tráfico.

Leia também: Assista ao vídeo de assalto a mercadinho na Rocinha
Os traficantes proibiam qualquer tipo de crime, para evitar atrair policiais e atrapalhar a venda de drogas: a punição variava de espancamentos a tiros na mão ou até a morte, em casos de reincidência, delação ou estupro. O iG já havia mostrado em reportagem que, com a saída do tráfico, haviam caído as vendas de bebidas e voltado as brigas de bar.
Os exemplos mais claros dessa mudança pós-ocupação foram os assaltos à loja Ricardo Eletro, nesta segunda-feira (12), e ao mercadinho do Nilão, esta quarta (14). Outro mercadinho teria sido assaltado no Largo do Boiadeiro, esta manhã, mas o iG não confirmou a informação. À tarde, com o aumento da sensação de insegurança, já havia rumores de que uma unidade do banco Bradesco no local também teria sido roubada, o que não ocorreu. É nítida na população uma sensação de frustração.
"Nunca fomos roubados antes, nem uma roupa no varal"
“Isso (assaltos) nunca aconteceria antes. Não tinha um negocinho deste tamanho que acontecesse, agora é toda hora. A comunidade não está gostando disso. Vivíamos com o poder paralelo, mas nunca teve esse tipo de bagunça: roubam uma loja aqui, outra ali... Eu deixava a porta aberta e hoje não posso mais. Não estamos acostumados. Nunca fomos roubados, nem uma roupa no varal, agora temos medo até de deixar a janela aberta. A comunidade não está entendendo”, afirmou Tatiana Araújo, que trabalha com programas sociais na Rocinha.
Dois homens que trabalham e moram na comunidade confirmaram essa impressão. “De jeito nenhum isso (assalto) aconteceria (com o tráfico). Não podia furtar, fazer nada, nem briga. Não tinha nada mesmo de bagunça, nunca, até estranhei. Tinha um respeito, era natural. Parava até carro-forte e nada acontecia. Mas agora...”, afirmou um rapaz. “Vai cair na conta do Bope, pega mal. A segurança não é deles?”, questionou um colega.
Na manhã desta quarta, uma briga foi apartada por policiais do Bope na Rua 1. “Eles fazem ronda direto”, afirmou um morador. À tarde, o iG presenciou uma discussão ríspida entre dois mototaxistas que quase acabou em briga, na Estrada da Gávea, via principal da Rocinha. Novamente, um carro do Bope passava no momento e os PMs encerraram o bate-boca, sem consequências. Era possível ver também, nesta quarta, policiais de moto fazendo patrulhamento da favela.

Foto: Raphael Gomide Ampliar
A Polícia Civil esteve na Ricardo Eletro da Rocinha para intimar gerente a depor nas investigações do assalto
Uma moradora, que preferiu não se identificar, contesta a visão de que antes não havia roubos e furtos na Rocinha.
“Existia, sim. Evidentemente, sempre houve o receio de uma repressão violenta. As pessoas pensam que no tempo da repressão armada (tráfico) era melhor, o que não é verdade, de jeito nenhum. Roubaram uma TV de LCD até na academia onde o Nem fazia musculação, no Portão Vermelho (localidade da Rocinha), há uns seis meses! Uma família teve uma TV roubada e o dono do Auto Gavea’s teve o celular furtado enquanto atendia um cliente”, enumerou os casos.
Mas ela é uma das poucas com opinião divergente da massa. Todas as demais pessoas ouvidas pela reportagem expressaram essa ideia comum de que os assaltos, raros no tempo do domínio do tráfico, chegaram à Rocinha.
"Moro aqui há 45 anos e os mercadinhos nunca foram assaltados"
“Está chegando ao ponto em que não pode mais deixar a casa só. Tem gente pensando em não viajar para não deixar a casa vazia”, afirmou uma mulher, que teve o carro arrombado e os vidros quebrados em um estacionamento privado, no segundo dia de ocupação da polícia – o dono da garagem pagou o prejuízo. “Roubaram tudo, até uma câmera de vídeo. Onde já se viu ser assaltado na Rocinha? Agora está demais”, disse.

Foto: Raphael Gomide Ampliar
Cartaz em mercado assaltado mostra temor de violência
“Moro aqui há 45 anos e os mercadinhos nunca foram assaltados. Antes, não tinha isso, não”, afirmou uma senhora.
O mercadinho do Nilão, roubado nesta terça-feira (13) por um homem armado, já se prepara para fazer investimentos em segurança. As câmeras serão trocadas por um equipamento mais moderno, e a administração estuda até a contratação de segurança armada, para impedir novos assaltos. A mulher que estava no caixa no momento do assalto está “traumatizada” e não trabalhou nesta quarta (14).
Para um funcionário do estabelecimento, o ladrão é da Rocinha. Na opinião de uma senhora, são de fora da comunidade. “Você acha que bandido daqui ia fazer isso, se todo comerciante conhece ele?”, perguntou.
Encarte de jornal fala em Rocinha 'segura' após dois assaltos
Um encarte especial sobre a Rocinha em jornal distribuído nesta quarta-feira, porém, contrastava com o clima da população e causou comentários irônicos. A segunda página da publicação tinha uma reportagem intitulada “Segura, comunidade ‘abre’ seu mercado’”.
“Essa é demais, depois desses assaltos todos! Estava todo mundo rindo disso aqui hoje!”, comentou uma agente comunitária de saúde.

Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro

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