Elio Gaspari, O Globo
As
pessoas que estão reclamando porque Lula não foi tratar seu câncer no
SUS dividem-se em dois grupos: um foi atrás da piada fácil, e ruim; o
outro, movido a ódio, quer que ele se ferre.
Na
rede pública de saúde, em 1971, Lula perdeu a primeira mulher e um
filho. Em 1998, o metalúrgico tornou-se candidato à Presidência da
República e pegou pesado: “Eu não sei se o Fernando Henrique ou algum
governador confiaria na saúde pública para se tratar.”.
Nessa
época acusava o governo de desossar o SUS, estimulando a migração para
os planos privados. Quando Lula chegou ao Planalto, havia 31,2 milhões
de brasileiros no mercado de planos particulares. Ao deixá-lo, essa
clientela era de 45,6 milhões, e ele não tocava mais no assunto.
Em
2010, Lula inaugurou uma Unidade de Pronto Atendimento do SUS no Recife
dizendo que “ela está tão bem localizada, tão bem estruturada, que dá
até vontade de ficar doente para ser atendido”. Horas depois, teve uma
crise de hipertensão e internou-se num hospital privado.
Lula
percorreu todo o arco da malversação do debate da saúde pública. Foi de
vítima a denunciante, passou da denúncia à marquetagem oficialista e
acabou aninhado no Sírio-Libanês, um dos melhores e mais caros hospitais
do país. Melhor para ele.
(No
andar do SUS, uma pessoa que teve dor de ouvido e sentiu algo esquisito
na garganta leva uns trinta dias para ser examinada corretamente,
outros 76, na média, para começar um tratamento quimioterápico, 113 dias
se precisar de radioterapia. No andar de Lula, é possível chegar-se ao
diagnóstico numa sexta-feira e à químio na segunda. A conta fica em algo
como R$ 50 mil.)
Lula,
Dilma Rousseff e José Alencar trataram seus tumores no Sírio. Lá, Dilma
recebeu uma droga que não era oferecida à patuleia do SUS. Deve-se a
ela a inclusão do rituximab na lista de medicamentos da saúde pública.
Os
companheiros descobriram as virtudes da medicina privada, mas, em nove
anos de poder, pouco fizeram pelos pacientes da rede pública. Melhoraram
o acesso aos diagnósticos, mas os tratamentos continuam arruinados.
Fora isso, alteraram o nome do Instituto Nacional do Câncer,
acrescentando-lhe uma homenagem a José Alencar, que lá nunca pôs os pés.
Depois
de oito anos: um em cada cinco pacientes de câncer dos planos de saúde
era mandado para a rede pública. Já o tucanato, tendo criado em São
Paulo um centro de excelência, o Instituto do Câncer Octavio Frias de
Oliveira, por pouco não entregou 25% dos seus leitos à privataria. (A
iniciativa, do governador Geraldo Alckmin, foi derrubada pelo Judiciário
paulista.)
A
luta de José Alencar contra “o insidioso mal” serviu para retirar o
estigma da doença. Se o câncer de Lula servir para responsabilizar
burocratas que compram mamógrafos e não os desencaixotam (as comissões
vêm por fora) e médicos que não comparecem ao local de trabalho, as
filas do SUS poderão diminuir.
Poderá
servir também para acabar com a política de duplas portas, pelas quais
os clientes de planos privados têm atendimento expedito nos hospitais
públicos.
Lula
soube cuidar de si. Delirou ao tratar da saúde dos outros quando, em
2006, disse que “o Brasil não está longe de atingir a perfeição no
tratamento de saúde”. Está precisamente a 33 quilômetros, a distância entre seu apartamento de São Bernardo e o Sírio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário